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A edição da literatura abolicionista em Neuchâtel



"As mesmas nações europeias cujas leis autorizam a escravidão dos Negros enxergariam aquela dos Brancos como um crime. Essa contradição dispensa provas que nunca a escravidão poderia ser legítima, nunca um homem poderia ser propriedade de outro. »
Antoine Caritat de Condorcet - reflexão sobre a escravidão dos Negros, publicado em 1781 na Suíça.

Histórico:

A partir da década de 1760, vemos uma grande mudança na denúncia da escravidão, passando de uma crítica filosófica para uma luta política e um discurso que se radicaliza.

Em 1770, o abade Raynal publica a sua «  História filosófica e política dos estabelecimentos do comércio das Europas nas duas Índias, que teve um enorme sucesso comercial através de suas três edições e várias reedições. Em sua obra, ele prevê a chegada de um Espártaco Negro para libertar os escravos e destruir o sistema colonial, o que pode ser evitado sob condições de melhorar o destino dos escravos e gradualmente abolir a escravidão. A ideia de uma revolta de escravos é retomada em 1771 por Louis-sébastien Mercier em seu romance 2440.

A radicalização do discurso contra a escravidão e o tráfico de negros conhece então os raios da censura, e a obra do abade Raynal é condenada pelo Parlamento de Paris e pela Sorbonne desde 1781. A censura da Polícia e do monopólio da Comunidade de livrarias e gráficas de Paris levam a maioria dos novos livros a serem editados ilegalmente fora de Paris.


É por isso que a maioria dos pensadores inovadores da época se volta para a vizinha Suíça. Genebra, Lausanne, Basileia e principalmente Neuchâtel, tornam-se o epicentro da edição e distribuição de livros ilegais, falsificados ou proibidos. A situação acaba sendo muito favorável, já que o consumo de livros, especialmente livros em francês, explode na Europa.

Neste contexto, é a Sociedade Tipográfica de Neuchätel (STN) fundada em 1769 que se destaca no mundo da edição, e como explicou Jean-Pierre Brissot de Warville que publicou algumas de suas obras nesta gráfica e quem se tornará presidente da Sociedade abolicionista dos Amigos dos Negros » :

«  Eu fui até o fabricante Osterwald (um dos fundadores da STN) que havia montado uma grande gráfica, de onde saíam quase todos os livros políticos e filosóficos que inundaram a França. Eram introduzidos facilmente por contrabando, através do Monte Jura, e depois, Lyon oferecia facilidades para distribuí-los por toda França. Neuchâtel havia sucedido a Holanda neste ramo comercial, e a França prestava um imenso tributo a esse pequeno estado, por receber a iluminação que emanava de seu próprio seio, e cuja prescrição era ao mesmo tempo um absurdo e um crime de seu governo. ... A inquisição do gabinete de Versalhes pensou ter fechado todas as passagens para a luz, preenchendo as fronteiras de Flandres e seus agentes. O gênio da liberdade tinha mudado de lugar e levado suas oficinas para o meio das montanhas onde a inquisição não podia penetrar ».

A empresa funciona basicamente com a falsificação, o que permite reduzir os custos e oferecer um preço atraente. As importações na França agora são realizadas de maneira clandestina.

Em Neuchâtel, a censura não é tão pesada. Assim, as autoridades autorizam a STN a imprimir certas obras perigosas como o Sistema da natureza de Holbach, sob a condição do nome de sua cidade não aparecer e que as obras sejam direcionadas à exportação.

A STN entregará assim, exemplares da brochura proibida « O gazeteiro encouraçado » de Théveneau de Morande ou o manuscrito explosivo de Mirabeau « Ensaio sobre o despotismo ».

Por seu catálogo ser pouco variado, os editores da STN realizam trocas com alguns colegas, o que lhes permite oferecer aos seus clientes várias centenas de títulos diferentes e a STN torna-se uma das maiores livrarias atacadistas da Europa.

Seus pacotes, que circulam em todos os países, em todas as capitais, mas também nas províncias mais remotas, testemunham a riqueza de suas lojas onde repousa toda a literatura da época. Os grandes clássicos, os tenores da república das letras (Voltaire, Rousseau, Diderot), os autores da moda (Mercier, Mirabeau, Raynal, Madame Beccari) se encontram com burocratas obscuros cujas obras, no entanto, marcaram o pensamento do Iluminismo: Luchet, Buffonidor, Baudoin de Guémadeuc ou Thévenau de Morande.
A Enciclopédia de Diderot e Alembert, a obra mais importante do século das Luzes, também faz parte das publicações da STN com a terceira edição da Enciclopédia que levará o nome Neuchâtel inscrito na folha de rosto reeditada em 1778.


A editora de Neuchâtel irá então contribuir para a publicação e distribuição das escritas mais destacadas e representativas do movimento abolicionista.
Assim, entre 1782 e 1784 ela realizará a falsificação da obra do abade Raynal, que se tornará um best-seller de sua época.

Ela edita ou reimprime também:

« A viagem à ilha da França, à ilha Bourbon no Cabo da Boa Esperança » em 1773, de Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814).

« A viagem de um Suíço para diferentes colônias da América durante a última guerra » em 1785, de Justin Girod-Chantrans (1750-1841).

« 2440 » em 1771 de Louis-Sébastien Mercier (1740-1814).

« Reflexões sobre a Escravidão dos Negros » de Nicolas de Condorcet (1743-1794) publicado em 1781, sob o pseudônimo de Doutor Schwartz.

A presença e permanência de Jean-Pierre Brissot em Neuchâtel (onde são publicados "O Testamento político da Inglaterra" em 1780, "A Teoria das leis criminais" em 1781, "a Biblioteca filosófica do legislador" em 1782-85) terá uma importância decisiva em seu comprometimento, porque é ali que faz amizade com Etienne Clavière, então banqueiro em Genebra, que se tornará ministro das Finanças sob a Convenção. É com ele que fundará, em 19 de fevereiro de 1788, em Paris, a Sociedade dos Amigos dos Negros, a primeira sociedade abolicionista francesa.

Além de Clavière, outros Suíços também estarão presentes nesta empresa pois nela, encontraremos Jacques Roman, comerciante, Jacques Biderman e Guillaume Kornmann, banqueiros, Jacques Antoine de Roveray, escritor literário ou Etienne Dumon, pastor.

Esses cidadãos suíços acrescentarão suas vozes abolicionistas ao mais ilustre deles, o ex-ministro das Finanças de Louis XVI, Jacques Necker e sua filha Germaine de Staël, instalados em Coppet, às margens do Lago de Genebra.